O fortalecimento das relações entre Brasil e Arábia Saudita está associado à crise energética derivada do choque do petróleo da década de 1970 e ao projeto nacional de desenvolvimento econômico brasileiro. Esta aproximação ocorreu paralelamente à tentativa de fortalecimento de relações bilaterais com os países do Oriente Médio como um todo.
Breve histórico da PEB
Santana (2006) afirma que desde o final dos anos 1960, a diplomacia brasileira estava conferindo ênfase ao comércio exterior, à busca de mercados para os produtos da indústria nacional e à necessidade de garantir o abastecimento de petróleo. Na época, o Brasil era o principal importador de óleo no mundo em desenvolvimento. Mas com o aumento do preço do petróleo pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), em 1973, o Brasil sofreu um forte impacto na sua balança comercial - passando a gastar cerca de 40% da receita adquirida em exportações com a importação do petróleo. Consequentemente, o equilíbrio da balança comercial com os países exportadores de petróleo do Oriente Médio e a garantia de fornecimento de óleo eram as principais questões na agenda de política externa brasileira (PEB).
A Arábia Saudita é um dos cinco países fundadores da OPEP, junto com Irã, Iraque, Kuwait e Venezuela. Em junho de 2023, a Arábia Saudita decidiu, no âmbito da OPEP+ (membros do grupo e mais 10 sócios), um novo corte de produção de petróleo. |
No início da década de 1970, o Brasil estava sob o governo Médici, cuja PEB era conhecida como “Diplomacia do Interesse Nacional” (1969-1974), do chanceler Mário Gibson Barbosa. De maneira geral, esse período da PEB é focado nas relações bilaterais e pela busca em promover planos de desenvolvimento; o multilateralismo era considerado importante, mas deixou de ser uma prioridade frente ao bilateralismo. Assim, com o primeiro choque do petróleo (1973), o governo brasileiro adota respostas pragmáticas: estabeleceu missões diplomáticas e trocou embaixadores plenipotenciários com a Arábia Saudita, resultando no estabelecimento de relações diplomáticas plenas entre os dois países. Também criou a Comissão Mista Brasil-Arábia Saudita, a fim de promover a cooperação bilateral em diversos setores, como o fornecimento de petróleo saudita ao Brasil e o intercâmbio tecnológico.
Vale destacar que, a partir deste momento, o Itamaraty abandonou a retórica anterior da política de equidistância em relação aos assuntos do Oriente Médio para assumir maior realismo, nacionalismo e pragmatismo, de acordo com Norma Breda (apud Santana, 2006). Dessa forma, duas diretrizes importantes adotadas foram: a condenação da expansão territorial de Israel por meio de conflitos armados com seus vizinhos e apoio à criação do Estado palestino, após a Guerra do Yom Kippur.
Já durante o governo Geisel (1974-1979), observa-se a intensificação da Diplomacia do Interesse Nacional, a fim de aumentar as exportações brasileiras para os Estados árabes. Isso ocorre, principalmente, na tentativa de fazer frente ao problema nas contas externas. Os principais produtos exportados pelo Brasil eram manufaturados produzidos, principalmente, pela Embraer e pela fábrica de material bélico Imbel. Outra estratégia para atenuar os saldos negativos foi o recebimento de investimentos externos em petrodólares. De maneira geral, a PEB estava orientada pelo objetivo de alcançar desenvolvimento econômico e autossuficiência energética. Assim, o governo criou departamentos e priorizou a diversificação das relações externas, visto que uma das maneiras de ampliar a autonomia consistia em afastar-se do campo hegemônico estadunidense por meio da universalização da PEB.
Por sua vez, o segundo choque do petróleo (1979) foi causado pela Revolução no Irã e pela primeira Guerra do Golfo, criando um novo foco de instabilidade política na região do Oriente Médio, uma nova crise global e aumento do preço internacional do petróleo. Isso afetou o Brasil de maneira imediata, visto que as reservas de petróleo diminuíram e havia o temor de interrupção do fornecimento externo. Na época, o governo Figueiredo (1979-1985) pautou-se pela continuidade do “Pragmatismo Responsável” e o Itamaraty buscou aumentar a cooperação com os países do Sul, já que poderia reforçar o poder de barganha em negociações multilaterais. Além do segundo choque, as dívidas contraídas durante o chamado “milagre econômico” acabaram sendo aumentadas devido à elevação dos juros internacionais e o governo foi obrigado a contrair empréstimos junto ao FMI (Fundo Monetário Internacional) para tentar lidar com a situação.
Conforme dito anteriormente, durante a década de 1970, dois aspectos importantes da agenda da PEB foram: o equilíbrio da balança comercial com os países exportadores de petróleo do Oriente Médio e a garantia de fornecimento de óleo. Apesar de tentar diversificar os parceiros, em 1979, Iraque, Arábia Saudita e Irã ainda eram responsáveis por fornecer cerca de 80% do petróleo importado pelo Brasil. Isso acabou levando à culpabilização da Petrobrás por adotar a política de adquirir petróleo exclusivamente pelos preços mais baixos, ao invés de diversificar os fornecedores.
Ademais, o objetivo brasileiro de equilibrar comércio com o Oriente Médio é malsucedido, com aumento pouco expressivo das exportações brasileiras para a região em contraposição ao crescimento das importações. No que tange à tentativa de atração de investimentos diretos dos países árabes, Santana (2006) afirma que “um dos poucos resultados concretos de atração de capitais oriundos dos petrodólares foi o empréstimo concedido pela Arábia Saudita ao Brasil, no valor de US$ 54 milhões, para o projeto hidroelétrico do Vale do São Francisco”. Dessa forma, Santana conclui que a PEB em relação ao Oriente Médio ao longo da década de 1970 teve resultados econômicos aquém do esperado, mas avanços significativos no plano diplomático, como aumento da integração econômica e do conhecimento logístico e operacional do mundo árabe.
Desde então, os contatos e entendimentos entre os dois países acabaram se intensificando. Em 2009, Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se o primeiro presidente a visitar a Arábia Saudita. Mais recentemente, no início do governo de Jair Bolsonaro, a intenção brasileira de seguir os Estados Unidos e transferir a embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém gerou tensões com os países árabes, incluindo a Arábia Saudita. Em outubro de 2019, Bolsonaro realizou uma visita oficial ao país, em que foi reafirmado o interesse de ambos em fortalecer as relações entre os dois Estados.
Relações comerciais entre Brasil-Arábia Saudita atualmente:
Em 2022, as importações brasileiras vindas da Arábia Saudita atingiram um recorde: cerca de US$5,3 bilhões. Antes, o valor mais alto de importação havia sido registrado em 2014, com US$3,3 bilhões. A Arábia Saudita ficou em 9º lugar no ranking de importações brasileiras de 2022 e o valor importado teve um crescimento de 84,2% em relação a 2021. Dentre os cinco produtos mais importados, estão:
- Óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos, crus – 60%
- Adubos ou fertilizantes químicos (exceto fertilizantes brutos) – 16%
- Óleos combustíveis de petróleo ou de minerais betuminosos (exceto óleos brutos) – 14%
- Outras matérias plásticas em formas primárias – 2,7%
- Alumínio – 1,9%
Já as exportações brasileiras para a Arábia Saudita fecharam, em 2022, com US$ 2,9 bilhões, resultando num saldo deficitário na balança comercial de -US$ 2,3 bilhões. As exportações para a Arábia Saudita ficaram em 29º lugar no ranking de exportações de 2022 e o valor exportado teve o registro de crescimento de 40,8% em relação a 2021. Os cinco produtos mais exportados pelo Brasil para a Arábia Saudita, 2022, foram:
- Carnes de aves e suas miudezas comestíveis, frescas, refrigeradas ou congeladas – 29%
- Açúcares e melaços – 14%
- Milho não moído, exceto milho doce – 12%
- Soja – 10%
- Farelos de soja e outros alimentos para animais (excluídos cereais não moídos), farinhas de carnes e outros animais – 6,6%

Série histórica das exportações e importações Brasil-Arábia Saudita. Em azul estão as importações e, em verde, as exportações brasileiras para a Arábia Saudita.
Em 2012, a Arábia Saudita impôs um embargo sanitário à importação de carne bovina do Brasil, devido ao aparecimento do mal da vaca louca no rebanho nacional. O embargo foi encerrado três anos depois, formalizado durante visita da então ministra da Agricultura, Kátia Abreu, à Arábia Saudita (BBC, 2022). |
Acordos bilaterais para investimento
O Brasil tem a Arábia Saudita como principal parceiro comercial no Oriente Médio e percebe-se que, além do petróleo, a agricultura e a pecuária são partes relevantes das relações comerciais entre os dois países. Em 31 julho de 2023, o então vice-presidente e ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckimin, recebeu uma comitiva da Arábia Saudita no Fórum de Investimento Brasil-Arábia Saudita, promovido pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). A comitiva saudita, composta por mais de 100 empresários e autoridades, destacou a possibilidade de uma parceria estratégica entre os dois países e anunciou a assinatura de 25 acordos bilaterais para comércio e investimentos. Os acordos abrangem áreas como agronegócio e minérios. Durante o Fórum, Alckimin ressaltou as oportunidades de investimentos, parcerias e rotas tecnológicas, tendo em vista as reservas brasileiras de lítio e capacidade de produção de célula e baterias para veículos elétricos. Também citou a complementariedade econômica entre Brasil e Arábia Saudita na área de fertilizantes, já que a Arábia Saudita é produtora e exportadora para o Brasil (Agência Brasil, 2023).
Atualmente, o Brasil é o maior exportador de produtos hallal do mundo, que são produtos adequados para consumo por muçulmanos. Isso, na visão de Maiko Gomes (apud BBC, 2023), demonstra que há interesse tanto do Brasil quanto dos países muçulmanos em manterem fortes relações comerciais. |
Questões de Direitos Humanos:
As violações de direitos humanos na Arábia Saudita chamam a atenção, visto que estão relacionadas aos direitos das mulheres, direitos LGBTQIA+ e de liberdade de expressão. Por exemplo, até 2018, meninas não poderiam fazer aulas de esporte nem frequentar estádios. Ano passado, mais de quinze pessoas foram sentenciadas por atos de liberdade de expressão, recebendo penas que variam de 15 a 45 anos (Uol, 2023).
Durante o governo de Jair Bolsonaro, Brasil e Arábia Saudita possuíram alguns movimentos alinhados no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Em 2020, os dois países fizeram parte do mesmo grupo e pediram a retirada do trecho de uma resolução que defendia a educação sexual. No mesmo ano, ambos também não assinaram uma declaração pela proteção de pessoas intersexo. Já em 2021, Brasil e Arábia Saudita não assinaram uma declaração no Dia Internacional da Mulher mencionando “direitos sexuais”. Ademais, os dois países também ingressaram no Consenso de Genebra, um grupo internacional, criado em 2020 por Donald Trump, que é contrário ao aborto e defensor da família como base da sociedade. Em janeiro de 2023, Lula anunciou a retirada do grupo.
Sportswashing:
Recentemente, a compra de jogadores de futebol pela Arábia Saudita, como Cristiano Ronaldo e Neymar Jr., acabou sendo bastante destacada na mídia. Existem motivos além do esporte e da diversificação econômica do reino saudita por trás destas compras, como questões geopolíticas e religiosas. Para os atletas, as transferências ocorrem devido a: afinidade religiosa com Arábia Saudita (que possui as duas cidades mais sagradas do Islã, Meca e Medina); sentimentos anti-migrantes, anti-muçulmanos e anti-negros da Europa; dificuldades dos clubes europeus em satisfazer necessidades religiosas dos jogadores muçulmanos, como jejum e momentos diários de oração; e a pressão ocidental pelos direitos LGBTQIA+.
Para o príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman, as contratações fazem parte de um plano de diversificação econômica para reduzir a dependência da Arábia Saudita das exportações de petróleo. Ademais, esse projeto também pode ser classificado como uma forma de “sportswashing”, isto é, o uso dos esportes para tentar deixar em segundo plano as diversas violações de direitos humanos do país. Podendo ser, também, a chance de melhorar a posição e imagem do país numa possível competição por soft power no mundo muçulmano. Outro fator importante é o dinheiro do Fundo de Investimento Público, controlado pelo governo do país. Os recursos vindos da produção e exportação de petróleo são usados para ampliar a capacidade dos clubes sauditas (que pertencem, em sua maioria, ao Fundo de Investimento Público) para atrair grandes nomes internacionais do futebol.
