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Entrevista com o Professor João Daniel sobre o CACD

Vivendo na ponte aérea Rio-São Paulo-Brasilia, onde troca 3 vezes por semana o figurino de coordenador pedagógico e professor de História no Clio RJ  pelo de aluno ouvinte do doutorado da FGV-Rio, João Daniel é rápido no gatilho. Quando entramos em contato propondo essa entrevista exclusiva ao Clipping CACD, chegou curta e objetiva a resposta, digitada pelo iphone:  “pode ser pelo video?, é que prefiro falar do que escrever”. Para quem teve o privilégio de assistir a suas aulas ou ler seu Manual de História do Brasil, publicado recentemente pela Funag, sabe que João Daniel não só fala como escreve muito bem. Seu Manual de HB, que já se tornou referência incontornável para o CACD, é repleto de metáforas geniais, o que revela que, além do dom de ensinar, não falta a João Daniel aquilo que Joaquim Nabuco chamava de “tecla do verso”. Vamos ver o que mais conseguimos descobrir sobre o homem por trás do professor? Confira nosso bate-papo:

Corrija-nos se estivermos errados: você trabalha com preparação para o CACD desde 2002, ainda antes os primórdios do Clio, certo? São mais de 10 anos dedicados à preparação para o CACD, o que mudou no perfil dos candidatos nesse intervalo?

Comecei a fazer isso informalmente no Espirito Santo, onde eu fui professor da graduação de RI da UVV, em Vila Velha. Lá montei um grupo de estudos com alunos que tinham interesse no Itamaraty baseado nas sensações impressionistas que eu tinha sobre a prova da época em que estudei com meus colegas de graduação da UFF, que seguiram a carreira e foram aprovados fazendo grupos de Estudos. Era uma bate papo semanal sobre as leituras. Isso foi em 2002, então, sim, são mais de dez anos já. O Clio foi criado em Julho de 2003. 

Fizemos umas contas por alto aqui, desde 2003 até 2014, contando com a extensão de 100 vagas, foram cerca de 700 novos ingressados na carreira. Praticamente todos eles passaram em algum momento por sua sala de aula. Como você encara o fato de estar formando, antes mesmo do IRBr, a mais numerosa geração de diplomatas na história do MRE?

É um exagero. Um duplo exagero. Numérico e paradigmático. Foram 6 aprovados em 2004, 4 em 2005. 24 em 2006, 69 em 2007, 90 em 2008, 98 em 2009, 104 em 2010, 26 em 2011, 30 em 2012 e 2013 e 18 esse ano. São 499 aprovados pelo Clio em onze anos. Muito longe dos 700 que você calculou. Além disso nem todos foram meus alunos. Alguns nunca sentiram necessidade de fazer História ou fizeram história em outros cursos. Lecionei para cerca de 400, talvez um pouco mais. É um orgulho imenso mas o encaro com humildade. Não acredito em “formação” de diplomatas. O que eu faço não é educação no sentido ‘formacional’, mas um treinamento. Meus alunos são adultos já formados, com suas opiniões, caráter, identidade e mesmo profissões já bem estabelecidas. Quando comparam o Clio à “Nova Coimbra” eu acho engraçado, gentil, mas é uma grande hipérbole. Muito longe estamos de “formar” uma geração… E muito mais longe ainda estão os diplomatas de terem o mesmo papel no século XXI que os bacharéis em Direito tiveram no XIX. Isso não quer dizer que não acredito no potencial transformador que esse formidável grupo terá — e já está tendo — no Ministério, apenas que minimizo bastante a responsabilidade do Curso e minha nesse processo. Abro mão desse papel para a posteridade e já mais do que me contento com a economia de hospedagem proporcionada pelos amigos que fiz em algumas das capitais do mundo.   

Muito se tem falado em “democratizar o acesso à carreira”. Na época da expansão para as 100 vagas, houve um processo de abertura de unidades telepresenciais do Clio e outros cursinhos fora do eixo RJ-BSB. Isso fez com que o CACD se tornasse mais concorrido e fez, por consequência,  que os alunos passassem a gastar muito mais visando à aprovação. Muitos dizem que é virtualmente impossível passar sem investir  pesado em cursinho especializado. Nesse sentido, o que vemos hoje não seria  justamente o oposto da “democratização do acesso à carreira”?

Muito boa pergunta. Deixa eu pensar… Acho que sim e não. Inegavelmente a prova foi ficando mais difícil mesmo. Se um aluno hoje no inicio de sua preparação pegar a prova de 2003, 2004, 2005 pra fazer vai achar que é mole passar nisso. Comparada com as provas do final da década passada e do inicio dessa a coisa só vem piorando. Nisso você tem toda razão. Não sei se a culpa é toda nossa, mas certamente uma fatia de responsabilidade nessa dificuldade toda é nossa sim. Se o modelo de preparação tivesse seguido com os discretos professores particulares que existiam só em SP e RJ praticamente, talvez a prova não tivesse se transformado tanto.

Por outro lado discordo que os alunos passaram a gastar mais. Certamente gastam muito ainda mas os professores particulares — que lecionavam em 1996, 1997 época que meus amigos de graduação hoje conselheiros se preparavam — cobravam era de uma exorbitância que humilhava os preços atuais do Clio que não é nada barato. Fazer todas as disciplinas em lugares diferentes da cidade, sem coesão de horário, custeando transporte e livros, sem biblioteca centralizada, sem simulados, feedback, acesso a comodidades de estudo era carissimo e cansativo. Eu mesmo que cogitei em algum momento seguir a carreira me dei conta que meus pais não poderiam arcar nem com 50% daqueles custos ainda maiores para alguém que morava no Méier, subúrbio do RJ.

Em síntese, acho que historicizando o modo como se prepara para o Itamaraty (quem quiser ter uma idéia antropológica de como era basta ler o livro da Cristina Patriota de Moura que tem um capitulo sobre o assunto) me parece que era muito mais elitista. As bolsas de ação afirmativa também auxiliaram muito nessa redemocratização. Pouca gente sequer sabia o que era ser diplomata e os esforços de divulgação da carreira por parte do Ministério se resumiam a palestras com diplomatas em universidades (hoje em dia nem isso mais). O Clio que é o único curso que investe em publicidade fora das redes sociais, assumiu por uma época essa tarefa de divulgação e permitiu uma grande visibilidade para a carreira, e eu conheço um grande número de diplomatas hoje que confessa que sequer sabia o que fazia um diplomata até ver o outdoor ou busdoor do Clio com a “convocação” do Barão. Isso ajudou a ampliar o número de interessados que inclusive permitiu a proliferação de novos cursos preparatórios aumentando e muito o leque de opções de preparação e de preços. Não são poucos os alunos e ex-alunos do Clio que vivem como professores do CACD. Nisso, muito mais do que na ‘formação de diplomatas’ o Clio tem responsabilidade sim. Talvez metade ou mais do mercado de professores hoje são ex-alunos ou ex-professores do Clio. Com mais gente, o concurso naturalmente fica mais difícil ainda e as provas longe de manterem o mesmo padrão se tornaram cada vez mais sacanas, repletas de maldades.

Todo mundo tem na memória ao menos um gabarito do CESPE que não consegue aceitar. Qual é o seu?  

Eleições de 1974. Maioria no Senado para o MDB. Aquele gabarito está errado e continuará errado para todo o sempre.

Ano passado os aprovados formularam um guia de estudos por conta própria: o “filhote de GNU”. Na ocasião você e praticamente toda a comunidade de aspirante à carreira elogiaram muito a iniciativa, sobretudo por constar no “GNU” não só as melhores, como também as piores respostas.  Dias após, o Guia Oficial da FUNAG foi retirado do ar. Este ano não disponibilizado o GNU nem Guia Oficial da FUNAG. Haveria aí uma mensagem do Itamaraty aos candidatos?

Acho que não. Acho essa hipótese meio conspiratória. Essas coincidências podem ser lidas como desorganização, férias/aposentadoria de um funcionário/falta de tempo/outras prioridades. Acho que pra fazer um troço daquele, o Gnu, você precisa de muita muita generosidade, tempo, organização. O cara tenta 3, 4 anos, passa!!! Ele compreensivelmente não quer saber de CACD, quer esquecer que existe TPS, 3a fase… O que a turma de 2013 fez é lindo, mas é complicado exigir isso de todas as turmas.

Acho que a leitura dessas coincidências como um complô evidencia uma mentalidade do pensamento meio paranóico do quarto-secretariado de que tudo que o CESPE/Rio Branco/MRE faz é pensando em sacaneá-los. Infelizmente não é assim. A realidade é ainda mais triste. Basta ver como o TPS é feito, como os recursos são respondidos, como as provas de 3a fase quase todas sequer recebem comentários nas correções para ver que o MRE está se lixando pro processo seletivo. Se atrasam aluguel de Conselheiros e ministros óbvio que o CACD é a última das preocupações. Acho que isso em parte é fruto do alijamento do Diretor do IRBr, o competente e minucioso embaixador Gonçalo Mourão que adotou uma postura ética de se excluir da organização do CACD porque seu filho é candidato.

Digamos que lhe fosse dado autonomia geral para reestruturar todo o CACD, o que ficaria?

Nada! O processo seletivo seria todo baseado em dinâmicas de grupo para avaliar o potencial de negociação de cada candidato em inglês e Espanhol (Parecido com o que é na Inglaterra, por exemplo). Só! Os cursos preparatórios iam todos falir. No máximo teria uma prova de redação eliminatória. HPEB, DIP, PI, Geopolitica, Historia Mundial, Economia, Linguas estrangeiras, tudo isso o candidato aprenderia no Rio Branco depois que passasse e na medida da necessidade do ministério. De seis meses a um ano de matérias básicas e o resto de aprendizado técnico para as funções que seriam realmente desempenhadas na profissão. Em forma de workshops. Comunicação, administração de embaixadas, direito consular, direito trabalhista, relações com o congresso, organização politica e administrativa dos países com os quais o Brasil tem relações preferenciais, etc… Do modo como é hoje os terceiro-secretários empossados refazem as matérias da preparação, de modo pior, e muito menos motivados a estudar.  

Dizem que todo  historiador  é um pouco futurólogo . Como os historiadores veriam daqui a 100 anos o boom dos concursos públicos no Brasil de hoje.

A história do funcionalismo público no Brasil é a história da Classe Média desde o século XVIII. Quanto mais concurso mais a classe média se fortalece. Isso aconteceu em MG da mineração, na Era Vagas, no governo JK… Esse momento 2003 pra cá é apenas mais um episódio de fortalecimento do Estado brasileiro depois de um longo processo de desmonte 1990-2003. Pessoalmente acho positivo, mas história nunca é uma coisa neutra. As interpretações são sempre escravas das circunstâncias, então essa resposta dependerá muito das circunstâncias de 2114, mas te prometo outra entrevista quando chegarmos lá, se eu não estiver muito gagá. 

 Recentemente você voltou às salas (corrija-nos se estivermos errados, atualmente você faz um pós sob a orientação de Matias Spektor na FGV, certo?). Depois de anos lecionando, como é trocar o púlpito pelas carteiras?

Não é uma pós. É uma disciplina de História Global oferecida no Doutorado da FGV Rio. O Matias postou no Facebook que aceitava ouvintes e eu, que só lia “Escola de Brasilia”, e não renovava meu olhar historiográfico há dez anos resolvi aparecer. Infelizmente tive que deixar um pouco de lado minhas turmas de Brasilia, mas está valendo muito a pena. História Global está na moda em todas as grandes universidades do Mundo e eu sequer tinha ouvido falar no assunto. No Brasil, por razões políticas, é praticamente ignorada. Hoje me sinto um pouco mais atualizado. Além disso o Matias um dos únicos pensadores das relações internacionais que foge aos cânones tradicionais — e chatíssimos — de interpretação da PEB. A criatividade dele não tem limites e a empolgação também não. É realmente renovador. Pena que está acabando.

Há uma linha de pesquisas que pretende desenvolver? Conte-nos um pouco sobre suas perspectivas acadêmicas.

[icon name=icon-user] Eu amo dar aulas. Pretendo fazê-lo até o fim da vida. O Matias tem tentado me convencer a escrever uma biografia Global do barão ou ainda uma história global do Brasil. Não me sinto a altura de nenhuma das tarefas, mas ele é muito muito convincente. Eu preferia que tivesse uma Hollywood brasileira e eu seria consultor de uma série tipo House of Cards chamada “Paranhos – Alta política”. As primeiras temporadas seriam com o Visconde e as últimas com o Barão. Ou um desenho animado de História do Brasil. Acho que esse papo de perspectiva acadêmica muito metido a besta. Elitista. Só quem lê, se beneficia é uma minoria de “letrados” que se acham. Gostaria de levar a história para mais gente. Ampliar o alcance dessas historias formidáveis que conformaram a sociedade que somos hoje para o bem e para o mal.

E fora da Academia, fora do Clio, fora desse microcosmo do CACD.  O que você faz com seu tempo livre. Se é que há tempo livre…

Maria Luisa, 2 anos e 4 meses é todo o meu tempo livre. E preso também. Sempre pensei que o momento em que eu era mais feliz era quando dava aulas. Até que ela nasceu.. 

Muitos candidatos tem essa coisa de sentirem-se angustiados ou culpados por estarem fazendo algo que não se relacione diretamente ao CACD, alguns tomam remédios para aumentar o rendimento, e invariavelmente todos sacrificam em alguma medida o convívio com família e amigos durante um tempo. O que vale e o que não vale para passar?

Depende do tamanho do seu sonho. Isso tem que ser avaliado individualmente. Se o camarada tem certeza que não vai ser feliz nunca se não for diplomata então qualquer sacrifício vale a pena pelo tempo que for. É tipo comprar uma casa. Você pode comprar a casa de 200 mil se parar de comer fora, ir ao cinema, comprar iogurte por muitos anos. Ou compra a casa de 100 mil e seguir vivendo normalmente. O Itamaraty é a casa de um milhão. Talvez de dois. Vale à pena? É o que você realmente quer? Se não tiver certeza espera ter primeiro pra depois começar a brincar, a menos que você seja muito rico. O custo em auto-estima, em tempo e em dinheiro da preparação é muito alto mesmo pra quem já tem certeza. Para quem não tem certeza, não acho que valha à pena pagar o preço.   

Caminhamos para o final desse nossa conversa. Que pergunta você gostaria de ter respondido e não lhe fizemos?

Achei que perguntariam alguma coisa sobre o Manual. Mas estou bem feliz com as perguntas. Algumas bem difíceis. Gostei do desafio.  

 Então, para fechar com chave de ouro topa um bate-bola?

 Tenho escolha?

Um número, entre 13 e 45:

50

Um sucessor do Barão:

Celso Amorim.

Um livro de cabeceira:

Stone’s Fall

Um brinquedo especial, de infância:

Serve da adolescência? RPG… sinto falta. Acho que por isso fui dar aula e brincar de narrativa recebendo por isso.  

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