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Teorias Feministas de Relações Internacionais

O Dia Internacional da Mulher (08/03) foi estabelecido pelo Órgão das Nações Unidas (ONU) no ano de 1975, inspirado na greve das operárias russas de 1917. Mesmo após tantas décadas desde a criação desta data, com avanços e mudanças significativas, ainda há muito a ser feito para que todas as mulheres consigam ocupar plenamente todos os espaços da sociedade. 

Tendo isso em vista, preparamos este post para explicar as teorias feministas de Relações Internacionais (RI). As teorias feministas são importantes não apenas para incluir as questões de gênero nas teorias do campo de estudo das RI, mas também para inserir contribuições acadêmicas e teóricas feitas por mulheres. Dessa forma, as teorias feministas demonstraram a importância de produzir teorias que analisassem a realidade pela ótica feminina e de considerar as vivências femininas dentro do contexto internacional.

Além desta introdução, o presente post está organizado na seguinte forma: a seguir, explicaremos os debates teóricos do campo acadêmico das RI, a fim de situar melhor a incorporação das teorias feministas; e, por fim, explicaremos as principais correntes teóricas feministas de RI. 

Os debates teóricos de Relações Internacionais

As teorias de RI funcionam como lentes que auxiliam na nossa interpretação a respeito do sistema internacional, a política mundial e a interação entre os Estados. Antes de abordarmos sobre as teorias feministas das RI, é necessário situá-las em meio aos debates teóricos do campo de estudo das RI.

O primeiro debate teórico das RI se deu entre as correntes idealistas e realistas. Os idealistas, impactados pelo trauma da Primeira Guerra Mundial, mantinham a crença na viabilidade de uma ordem internacional pacífica fundamentada na lei e na cooperação global. Por outro lado, os realistas, influenciados pelos eventos que conduziram à Segunda Guerra Mundial, sustentavam que o comportamento dos Estados é primariamente orientado pelos interesses próprios e pela busca de poder, dentro de um sistema internacional anárquico onde a guerra é uma constante.

Por volta dos anos 1970, as teorias realista e idealista passaram por algumas reformulações, marcando o que chamamos de “debate neo-neo”, que seria a disputa entre as teorias neo-realistas e neo-institucionalistas. Este momento marca a passagem para um enfoque ontológico e o questionamento da própria natureza das RI. Apesar de os neo-realistas continuarem a defender o papel do poder e da anarquia no sistema internacional (SI) e dos neo-institucionalistas enfatizarem a capacidade de cooperação internacional através das instituições e dos regimes, este debate possui críticas em relação às teorias clássicas do realismo e do institucionalismo. Algumas das análises levantadas por estas teorias criticavam o estadocentrismo das teorias anteriores (realismo e idealismo) e a grande influência e predominância de acadêmicos brancos e burgueses do norte global, o que refletia e reforçava as estruturas que beneficiam os países ricos e desenvolvidos.

O segundo debate, por sua vez, é marcado pelas correntes tradicionalistas e behavioristas (ou cientificistas). Este debate possui um grande enfoque metodológico e epistemológico, pois discute como as RI devem ser estudadas. Os tradicionalistas buscavam uma abordagem mais qualitativa e interpretativa para compreender o SI, valorizando aspectos da natureza humana. Já os behavioristas defendiam um método mais científico e quantitativo a partir da observação do comportamento dos atores do sistema sem a influência de subjetividade ou cultura.

Por último, temos o terceiro debate, que envolve as correntes racionalistas e reflexivistas. Este debate é mais recente e possui críticas ao positivismo e às teorias baseadas em teorias racionais e objetivas, como realismo e institucionalismo. Os reflexivistas, ou pós-positivistas em RI, buscam compreender as normas e instituições que orientam as ações dos Estados, incluindo a consideração de “identidades estatais” construídas por atores domésticos e externos, influenciando as decisões em política externa. Diversas teorias surgem a partir deste debate, como as construtivistas, as pós-modernas, as marxistas, as pós-coloniais e as feministas. O terceiro debate crucial para entender como o gênero se torna uma categoria relevante em RI envolve a discussão entre positivistas e pós-positivistas, representando a divergência entre abordagens mais economicistas e sociológicas na explicação de fenômenos internacionais.

Esses debates são essenciais para a evolução das RI enquanto disciplina, pois permitem a reflexão crítica sobre as teorias existentes e incentivam o surgimento de novas abordagens. O avanço teórico das RI oferece níveis e camadas mais aprofundados sobre a complexidade das relações internacionais e permite que novos aspectos históricos, sociais, culturais e econômicos passem a ser levados em consideração.

Teorias feministas de Relações Internacionais

As teorias feministas de RI se encontram dentro do terceiro debate teórico e surgiram como uma crítica à abordagem tradicional e positivista do campo das RI, que muitas vezes ignorava as questões de gênero e a participação das mulheres. Os primeiros trabalhos sobre feminismo no campo das RI surgiram no final da década de 1980. Um dos primeiros seminários sobre gênero e RI ocorreu em 1988 na London School of Economics (LSE). Já uma das principais obras deste período foi “Bananas, Beaches and Bases: Making Feminist Sense of International Politics”, publicado em 1989 por Cynthia Enloe (Jackson; Sørensen, 2018).

Christine Sylvester (apud Monte, 2013) destaca três abordagens pelas quais a teoria feminista incorpora a categoria de gênero na disciplina de RI. Em primeiro lugar está a epistemologia feminista empiricista, que visa reduzir os preconceitos na disciplina ao reconhecer a existência de uma maneira particular de conhecer a realidade vinculada às atividades reprodutivas femininas. Em seguida, na interseção com visões pós-positivistas, Sylvester identifica o pós-modernismo feminista e o feminismo pós-moderno, abordando questões sobre a linguagem e a existência de mulheres “reais”. Em terceiro e último lugar está a terceira abordagem, que propõe um projeto político-metodológico de “política de conversação empática”, visando aprender e negociar constantemente sobre o conhecimento, promovendo um diálogo contínuo no campo de RI. 

Sylvester sugere que, apesar dos debates teóricos feministas, o campo das RI ainda se apega a práticas excludentes. Por isso, ao negligenciar as experiências e vozes das mulheres, historicamente definidas como “outros” na teoria, está desafiando a realização plena do potencial da disciplina. As teorias feministas, então, buscam desestabilizar e subverter o domínio masculino, buscando ampliar o espaço ontológico das RI. Vale ainda destacar que existem várias correntes dentro do feminismo em RI, cada uma com sua própria abordagem e ênfase. Iremos abordar algumas das teorias feministas das RI a seguir.

Feminismo liberal

Segundo Monte (2013), o feminismo liberal foca na igualdade de gênero e na inclusão das mulheres nas estruturas existentes de poder. 

As feministas liberais criticam a falta de representação feminina em instituições de governança e defendem a extensão dos direitos e liberdades já concedidos aos homens para as mulheres. Elas argumentam que a desigualdade de gênero contribui para conflitos e violência e que a presença feminina em posições de poder pode levar a uma política mais pacífica e justa.

Monte (2013) ressalta que as feministas liberais concentram-se mais em abordagens práticas do que teóricas para reverter desigualdades e hierarquias. Segundo essa perspectiva, a opressão das mulheres resulta das barreiras legais estatais que impedem a realização de direitos individuais. As demandas das feministas liberais, originadas nas revoluções burguesas do século XVIII, visam estender às mulheres os direitos políticos e civis anteriormente restritos aos homens. Esse esforço de equiparação de direitos leva as liberais a considerarem o Estado como um agente potencial para promover a igualdade, apesar de seu envolvimento em práticas discriminatórias. Para eles, o Estado é a autoridade mais adequada para garantir os direitos das mulheres.

Feminismo radical

O feminismo radical, por sua vez, opõe-se à visão do feminismo liberal de que as barreiras legais são os únicos limites que as mulheres necessitam derrubar. De acordo com Monte (2013), para essa corrente, o patriarcado é um sistema de opressão que vai além da esfera legal e permeia todas as instituições sociais. Além disso, esta corrente parte da ideia de grupos sociais (homens e mulheres) em oposição, com uma relação de poder diferente que os define. Ao analisar a sociedade, o feminismo radical considera essa luta pelo poder como um elemento fundamental.

Vale ainda destacar que as feministas radicais possuem um enfoque na desvalorização das experiências e atividades associadas às mulheres e ao corpo feminino, assumindo a violência sexual como uma forma de controle das mulheres. Cynthia Enloe (apud Monte, 2013, p. 73) “constrói uma taxonomia dos casos de estupro militar e analisa as formas pelas quais o estupro se liga aos conflitos étnicos, a fim de ressaltar as relações existentes entre a violência sexual e a internacional.”

Feminismo crítico

Por sua vez, o feminismo crítico é influenciado pelo marxismo e questiona as próprias estruturas, limitações e tendências opressivas dos métodos das RI e do sistema internacional (QG Feminista, 2018). Assim como o feminismo radical, as feministas críticas abordam sobre relações de poder entre homens e mulheres. Mas, a teoria crítica relaciona a opressão das mulheres à distribuição de riqueza, ao controle dos meios de produção e ao sistema de classes.

Por isso, a corrente crítica argumenta que não é apenas o patriarcado que subordina as mulheres, mas também o sistema capitalista e a divisão internacional do trabalho. Assim, as atividades de baixo escalão ou no setor de serviço, mal remuneradas, que são exercidas pelas mulheres (principalmente nos países em desenvolvimento) revelam o quanto o trabalho feminino é desvalorizado e como o capitalismo e o patriarcado impedem a emancipação das mulheres. Perceba que essa linha enfatiza a interdependência entre opressão de gênero e de classe e reconhece a diversidade das experiências femininas.

Feminismo socialista

Outra perspectiva é o feminismo socialista, que destaca as diferenças nas condições materiais entre homens e mulheres (Monte, 2013). Esta corrente surgiu no campo das ciências sociais como uma maneira de mesclar os feminismos radical e crítico (marxista). Apesar destas teorias terem características em comum, as feministas socialistas acreditam que o feminismo radical possui um enfoque maior nas questões de gênero, enquanto as críticas, no poder de classe. Por isso, o feminismo socialista propõe a unificação destas teorias, de forma a considerar os aspectos de gênero e classe como “paradigmas sociais igualmente relevantes e importantes” (QG Feminista, 2018).

Para esta teoria, a raiz da opressão contra as mulheres está centrada no controle masculino sobre o trabalho feminino, especialmente o trabalho reprodutivo. A desvalorização do trabalho reprodutivo é perpetuada também no sistema capitalista, pois beneficia grandes corporações que dependem do trabalho não remunerado das mulheres. Assim, essa falta de remuneração impacta negativamente o grupo feminino.

A teoria feminista socialista também parte do pressuposto de que a percepção da realidade pode variar de acordo com a situação material do observador. No contexto das mulheres, a condição material de desvantagem proporciona uma visão mais objetiva da realidade. Monte (2013) traz o exemplo de que a posição subordinada das mulheres implica que, ao contrário dos homens (ou de alguns homens), elas não têm interesse em distorcer a realidade para reforçar o status quo. Portanto, há uma maior probabilidade de que desenvolvam uma compreensão mais clara e menos tendenciosa da realidade e do mundo.

Feminismo pós-estrutural

O feminismo pós-estrutural desafia a ideia de que o gênero é uma categoria fixa e biologicamente determinada. Inspiradas por teóricas como Judith Butler, as feministas pós-estruturais veem o gênero como uma construção social e enfatizam o papel da linguagem e do discurso na criação de identidades de gênero (Monte, 2013). Elas argumentam que a política internacional contribui para a construção de normas de gênero e que é necessário questionar e desmontar essas construções. Dentre as correntes do feminismo pós-estrutural, a teoria queer se destaca por trazer uma perspectiva mais radical e alternativa das relações de construção de gênero, relacionando-os com as abordagens convencionais da política externa estadunidense na América Latina (Cynthia Weber apud Jackson; Sørensen, 2018). De acordo com a teoria queer, as políticas externas estadunidenses no Caribe são vistas como uma tentativa de “forjar” um poder fálico, uma vez que a política externa estadunidense é inspirada por uma crise identitária masculina (Jackson; Sørensen, 2018).

Feminismo subalterno

De acordo com Ballestrin (2017), o feminismo subalterno examina como a desigualdade de gênero está entrelaçada com o legado do colonialismo. Essa corrente destaca que as experiências das mulheres variam significativamente em diferentes contextos geográficos e culturais, especialmente entre o Norte e o Sul globais. Por isso, a partir desta corrente, emergem críticas ao feminismo ocidental por seu universalismo, etnocentrismo, anglo-eurocentrismo, branqueamento e pela negligência de questões coloniais e raciais que atravessam etnias, nacionalidades e geografias. Assim, o feminismo subalterno denuncia o colonialismo intelectual das acadêmicas feministas ocidentais. Estas feministas ocidentais passaram a ser retratadas como defensoras de um feminismo do Norte global e de Primeiro Mundo, muito pouco sensível às questões das mulheres não ocidentais, do Sul e do Terceiro Mundo (Ballestrin, 2017).

Para Ballestrin (2017), o feminismo subalterno pode agregar diferentes tipos de movimentos das mulheres a partir de um amplo espectro de caracterizações relacionadas às marcações geopolíticas, étnico-raciais e culturais. Alguns dos feminismos subalternos listados pela autora são: feminismo pós-colonial, feminismo terceiro-mundista, feminismo negro, feminismo indígena, feminismo comunitário, feminismo mestiço, feminismo latino-americano, feminismo africano, feminismo islâmico, feminismo do Sul, feminismo decolonial, feminismo fronteiriço, feminismo transcultural etc.

No que diz respeito ao feminismo pós-colonial (também chamados de anti-racistas ou anti-imperialistas), Monte (2013) afirma que ele se destaca por sua ênfase na interseção entre imperialismo, colonialismo, capitalismo e racismo, tendo a opressão das mulheres como ponto central. Embora a economia desempenhe um papel significativo nessa abordagem, seu foco principal reside na compreensão das interrelações complexas que resultam em formas agudas de opressão para as mulheres do Terceiro Mundo. Desafiando a dicotomia entre o local e o global, as perspectivas pós-coloniais argumentam que as estruturas de dominação permeiam esses níveis, evidenciando como isso se traduz em diversas formas específicas de opressão para as mulheres do Terceiro Mundo, muitas das quais compõem a parcela mais vulnerável da população global.

Ecofeminismo

Já as ecofeministas, segundo Monte (2013), defendem que toda opressão está em um estado contínuo. Isto é, a exploração — seja ela refletida no uso insustentável dos recursos naturais, violência doméstica ou guerras totais — está interligada e é fundamentalmente a mesma, variando apenas em intensidade. Dessa forma, as mulheres, cultural e linguísticamente associadas ao mundo natural, enfrentam a forma primordial de exploração, influenciando todas as outras formas de opressão. A relação entre Estados, por exemplo, emula essa opressão, feminilizando Estados marginais ou “oprimidos” (Monte, 2013). Como resultado, todas essas formas de exploração acabam se refletindo nas mulheres, que suportam cargas acumuladas dessas explorações.


Ressaltamos que essas são apenas algumas das diversas interpretações teóricas sobre gênero e R/relações I/internacionais. Cada uma dessas correntes contribui para uma compreensão mais rica e complexa das RI, desafiando as abordagens tradicionais e trazendo novas perspectivas para o estudo das dinâmicas internacionais. Ao fazer isso, as teorias feministas de RI não apenas promovem a inclusão das mulheres, mas também buscam transformar as estruturas de poder para criar um sistema internacional mais equitativo e justo.

Referências 

BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. Feminismos Subalternos. Revista de Estudos

Feministas, v. 25, n. 3, p. 1035-1054, 2017. Disponível em:

https://doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n3p1035. Acesso em: 21 fev. 2024

JACKSON, Robert; SØRENSEN, Georg. Introdução às Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 3 ed., 2018.

MONTE, Izadora Xavier de. O debate e os debates: O debate e os debates: abordagens feministas para as abordagens feministas para as relações internacionais relações internacionais. Florianópolis: Revista de Estudos Feministas, 2013, 21 (1). Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/r3pc8yVXBf6FqHPBBcH9Xxy/. Acesso em: 21 fev. 2024.

QG Feminista. Marxismo, Feminismo Radical e Sociologia. Feminismo com classe, 3 abr. 2018. Disponível em: https://medium.com/qg-feminista/marxismo-feminismo-radical-e-sociologia-3a418657f25c. Acesso em: 26 fev. 2024. 

SYLVESTER, C. “The contributions of feminist theory to international relations” . In: SMITH, Steve, BOOTH, Ken; ZALEWSKI, Marysia (eds). International Theory: Positivism and Beyond. Cambridge: Cambridge University Press. 1996.

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