Sobre Nós
Plataforma de estudos e cursos para concursos públicos


Saiba mais

Em destaque
dark

Paradiplomacia

A paradiplomacia é uma área relativamente recente no campo de estudos das Relações Internacionais, que emergiu a partir do final da segunda metade do século XX. Entretanto, o estabelecimento de relações entre órgãos subnacionais com governos estrangeiros, além de ser uma maneira paralela de realizar a diplomacia, é uma prática histórica.

Neste post, traremos a definição de paradiplomacia, como este conceito surgiu e como tem se dado o desenvolvimento desta área no Brasil.

O que é paradiplomacia?

A diplomacia, tema bastante explorado nos materiais do Clipping, é conduzida em nome dos Estados. No caso brasileiro, o Ministério das Relações Exteriores (MRE, também conhecido como Itamaraty) é o organismo responsável por centralizar a condução da política externa nacional, e todos os interessados em trabalhar nesta área devem cumprir com os requisitos e ser aprovados no Concurso de Admissão à Carreira Diplomática (CACD). 

Por sua vez, a paradiplomacia pode ser compreendida essencialmente pela condução de atividades de política externa por uma unidade subnacional (seja região, estado ou cidade) independente de um governo central, e, diferente da diplomacia, não há uma única forma de ingressar na carreira paradiplomática. É possível trabalhar com paradiplomacia nos mais diversos tipos de órgãos de governos locais ou regionais.

A paradiplomacia também pode receber outros nomes, como “gestão externa” ou “gestão internacional”. Oficialmente, o discurso governamental brasileiro optou pelo uso de “diplomacia federativa”. Segundo Miklos (2011, p. 7) diplomacia federativa é uma “política de Estado concebida para aproximar a chancelaria brasileira de governos estaduais e municipais e permitir a coordenação – e, no limite, o controle – da atuação internacional de unidades subnacionais brasileiras”.

Esse termo foi utilizado formalmente pela primeira vez em abril de 1995, durante o discurso de Luís Felipe Lampreia, então Ministro das Relações Exteriores do governo de Fernando Henrique Cardoso, em uma audiência na Câmara dos Deputados (Banzatto, 2015 apud Amorim, 2019).

Como surgiu o conceito de  paradiplomacia?

Apesar de praticada há muito tempo, o conceito de paradiplomacia é relativamente recente no âmbito de estudos e atuação das Relações Internacionais. Apenas nos anos de 1986 e 1990, com o fim da Guerra Fria e a intensificação da globalização, o conceito emergiu nos trabalhos dos professores Ivo Duchacek e Panayotis Soldatos.

Ainda nas décadas de 1970 e 1980, autores como Robert Keohane e Joseph Nye falavam sobre a existência de uma interdependência complexa, devido ao surgimento de novos atores, formação de uma nova agenda internacional e  o aumento do contato entre países por conta dos fluxos de serviços, dinheiro, bens, informações e pessoas.

Além disso, o fim da Guerra Fria (1991) e da União Soviética marcou a transformação da ordem internacional. Este processo de realocações de poderes entre os Estados também influenciou no surgimento de uma nova lógica estatal. 

Esse novo Estado, segundo Mariano (2007 apud Junqueira, 2018) possui três pontos principais:

  1. O Estado deixou de ser considerado um ente político isolado;
  2. Passou a ser influenciado por redes transnacionais e intergovernamentais de decisão; e
  3. Começou a maximizar as resoluções de conflitos por meio da cooperação internacional.

Dessa forma, impulsionadas pela globalização, as relações internacionais saíram do eixo do “estadocentrismo” e foram em direção a um campo de atuação de “composição mista” de atores (Hocking, 2004 apud Junqueira, 2018). Essa descentralização do poder estatal abriu espaço para que houvesse a formação de redes de cidades e fortalecimento da integração regional. 

Uma rede de cidades compreende a configuração dessas entidades de forma que haja: troca de informações, estabelecimento de uma agenda mútua e estreitamento de laços de cooperação. 

Atualmente, existem diversas redes multilaterais e fóruns de atores subnacionais como, por exemplo: Eurocidades, Mercocidades, Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU), entre outros.

Vale ressaltar que uma grande parte dos acadêmicos sobre paradiplomacia se ativeram à abordagem do Federalismo, já que ele representa um sistema político no qual os estados firmaram um acordo de Federação, mas que ainda preserva a independência de cada um deles. 

A paradiplomacia no ordenamento brasileiro

Como já ressaltamos neste texto, a paradiplomacia já era praticada muito antes de ser conceituada academicamente. Entretanto, nem sempre a prática de relações e transações internacionais como parte da política externa era permitida do ponto de vista legal. Para sermos mais objetivos, neste tópico iremos abordar apenas alguns aspectos que estavam expressos na Constituição Federal de 1988 (CF-88) logo na sua promulgação.

Em comparação com as antigas constituições brasileiras, a CF-88 foi bastante importante para a história da diplomacia por, já em seu art. 1º, consolidar municípios como entes federados, ao lado da União e dos Estados. No entanto, apesar de serem considerados entes federados, os municípios não possuíam autonomia para tratar de questões políticas, financeiras e administrativas. No que tange à atuação internacional, esta era restrita à União e, consequentemente, ao MRE, conforme é expresso no art. 21º, 25º e 84º:

Art. 21. Compete à União:
I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais.
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotaram, observando os princípios desta Constituição.
§ 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. 

Em 1999, o Itamaraty emitiu um parecer jurídico, por meio do consultor Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, que confirmou a interpretação restritiva desta matéria no texto constitucional. “A ordem constitucional pátria é categórica ao conceder expressamente à União competência para conduzir as relações exteriores. Não faz nenhuma concessão às unidades federadas, sejam Estados, Municípios ou Distrito Federal. (Medeiros, 2008 apud Amorim, 2019).

Vale ressaltar que, naquela época, apenas operações internacionais de natureza financeira e que fossem expressamente autorizadas pelo Senado Federal, conforme estabelecido pelo art. 52º, poderiam ser realizadas por entes além da União, como estados e municípios.

Entretanto, percebe-se que em um país como o Brasil, que possui grandes dimensões geográficas e políticas, seria muito difícil que a União fosse o único ente a exercer quase que qualquer tipo de atividade internacional, especialmente em uma época acometida pela globalização e pelo fortalecimento dos fluxos internacionais. 

A partir da década de 1990, diversos órgãos e mecanismos passaram a ser institucionalizados pela Presidência da República e pelo MRE, demonstrando que a atuação internacional de entes subnacionais é legítima (Miklos, 2011):
Em 1994, o conceito de “diplomacia federativa” foi implementada como uma política de Estado;Já em 1997, foi criada a Assessoria de Relações Federativas (ARF) e foram abertos os primeiros escritórios de representação regional do MRE em diversas capitais brasileiras, a fim de fomentar a diplomacia federativa, entre outros.

Em 2005, então, iniciou-se uma tramitação na Câmara dos Deputados para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de número 475/2005, que propunha a adição de um segundo parágrafo ao art. 23º da CF-88 a fim de permitir a celebração de acordos ou convênios internacionais de Estados e Municípios com seus equivalentes estrangeiros, mediante prévia autorização da União. 

Art. 23, §2º - Os Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito de suas respectivas competências, poderão promover atos e celebrar acordos ou convênios com entes (sic) subnacionais estrangeiros, mediante prévia autorização da União, observado o artigo (sic) 49, e na forma da lei. (PEC 475/2005)

Todavia, em 2007, a PEC 475/2005 foi arquivada após tramitação na Comissão de Constituição e Justiça de Cidadania (CCJC) devido ao entendimento do relator, deputado federal Ney Lopes (PFL-RN), que esta PEC subverteria a ordem federativa ao restringir a autonomia estatal prevista no art. 18º da CF-88. 

Em suma, o atual ordenamento brasileiro não permite o reconhecimento legal do exercício da paradiplomacia por Estados e Municípios, fazendo com que sistema federativo brasileiro permaneça, majoritariamente, centralizado e destoando com a situação de fato das relações internacionais. Percebe-se que o Estado brasileiro apresenta uma postura resistente à flexibilização da paradiplomacia, por receio de acabar perdendo parte da autoridade soberana sobre seus entes. Simultaneamente, é perceptível a existência de uma tolerância do Estado, ao reconhecer a paradiplomacia como um fenômeno inevitável, refletida em ações conduzidas por alguns decisores federais que relativizam o princípio da soberania.

Abreu (2013) defende que essa dualidade resulta em uma circunstância na qual o Estado é, ao mesmo tempo, resistente e tolerante em relação ao exercício não institucionalizado da paradiplomacia. Por um lado, a postura resistente implica na negação de iniciativas para institucionalização. Por outro, a postura tolerante se traduz na não coibição da ilegalidade, quase autorizando a continuidade da dinâmica estabelecida. Diante desse cenário, Abreu (2013) aponta quatro consequências: prejuízos ao desenvolvimento local e regional; insegurança jurídica; constrangimentos no plano internacional; e riscos à segurança nacional.

Por fim, vale ressaltar que, apesar da falta de institucionalidade da paradiplomacia brasileira, o trabalho de cooperação internacional descentralizada realizado pelos gestores dos entes subnacionais brasileiros é extremamente importante para promover tanto o desenvolvimento socioeconômico das comunidades locais e regionais, quanto o estreitamento de laços políticos do Brasil com outros países. 

Referências

ABREU, Gustavo de Souza. Efeitos político-jurídicos da não institucionalizada paradiplomacia no Brasil. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 3, n. 2, 2013 p. 65-78

AMORIM, Tiago Scher Soares de. Paradiplomacia no Brasil: Os Casos do Estado da Bahia e do Município de Salvador e a Política Externa Subnacional. Tese (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da Universidade de Federal da Bahia. Salvador, 114 p., 2019.

JUNQUEIRA, Cairo Gabriel Borges. Paradiplomacia: a transformação do conceito nas relações internacionais e no Brasil. BIB, São Paulo, n. 83, 1º semestre de 2017 (publicada em fevereiro de 2018), pp. 43-68.

MIKLOS, Manoela Salem. Diplomacia Federativa: O Estado Brasileiro e a Atuação Internacional de suas Unidades Constituintes. ABRI – 3º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais, São Paulo, 2011.

Total
0
Shares
Previous Post

Como reiniciar os estudos após as férias? Confira as dicas!

Next Post

O processo decisório do Conselho de Segurança da ONU

Related Posts

Descubra mais sobre Clipping CACD

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading